Projetos de Pesquisa
Em Andamento
Perspectivas Kantianas sobre as causas da irracionalidade social
PROBAL (PROBAL - CAPES/DAAD)
O projeto conjunto de pesquisa se propõe a analisar, problematizar e avaliar os diferentes aspectos da natureza humana acerca das fontes da irracionalidade social e suas possíveis soluções, tais como apresentadas na filosofia de Kant e na filosofia de herança Kantiana (em especial Rawls e Habermas). À primeira vista pareceria que a filosofia kantiana não possui nenhuma relevância para a racionalidade social, área dedicada a definir os meios mais adequados para se alcançar fins sociais e a realização de determinados valores. É do escopo da racionalidade social investigar os obstáculos e definir uma organização sistematicamente adequada para superá-los. Entretanto, se a relação de fins e meios da ação não se constitui como o elemento central das éticas Kantianas, disso não se segue que a racionalidade pragmática não tenha um papel imprescindível, seja para os fins sociais, seja morais. Isso foi claramente enfatizado por John Rawls, que na construção de sua teoria liberal dos princípios de justiça para a estrutura fundamental da sociedade enfatizou o papel da racionalidade social (rationality) e da razoabilidade (reasonableness). Também na Antropologia de um ponto de vista pragmático de Kant encontram-se inúmeros elementos para uma análise sistemática da irracionalidade social. Eles esclarecem diversas dimensões da irracionalidade social, que normalmente são tratados de modo independente, mas que, ao serem reunidos e interligados sistematicamente, constituem uma crítica radical da irracionalidade social e uma alternativa ao egoísmo metodológico (epistemológico, lógico e moral).
Variantes inglesas da liberdade moderna
No curso do século XVIII, assiste-se à reaparição da ideia clássica de que a filosofia confunde-se com uma ?arte de viver?. Na França e na Inglaterra, embora por vias distintas, esse fenômeno exprime, à luz de uma primeira abordagem, a reação à sobriedade e ao heroísmo típicos do século antecedente. Se a filosofia pode vir a ser útil aos homens, é por ela ser capaz de distraí-los de si mesmos. Conforme a nova concepção sobre este antigo ofício, a filosofia é uma arte de viver na medida em que torna seus praticantes menos curvados sobre suas próprias ideias e paixões. Tal redefinição faz pensar imediatamente no ?divertimento?, que havia sido tematizado por Pascal como fuga de nossa miséria. De fato, o ?divertimento? comparece não apenas na pintura rococó (cuja vocação para a ?superficialidade? é atestada pelo que Michael Levey denominou seu ?realismo decorativo?) e nas inversões espirituosas da prosa filosófica de Voltaire e Diderot; ele também figura na tratadística moral britânica ? e isso, de modo até mais atenuado do que na França. M. Suzuki (2014) assinalou como, entre os ingleses do século XVIII, o ?jogo? torna-se metáfora da atividade filosófica, concebida como elemento lúdico que, aliás, emancipa seus simpatizantes de qualquer compromisso com o intuito salvífico característico das religiões reformadas. A filosofia evita o tédio, é útil socialmente e apraz. Torna-se entretenimento, como percebe qualquer leitor dos ensaios de Hume. Embora possamos entreter-nos a sós, é mais comum fazê-lo em grupo. Pensar, então, solicita o convívio social e dele toma sua medida. Como também apontou M. Suzuki, nisto reside a explicação para a predileção dos autores britânicos pelo ensaísmo: o ensaio toma por modelo a conversação. Desse modo, já no plano de sua forma expositiva, pensar consiste no diálogo com os outros. Uma implicação central dessa ancoragem social da filosofia é o elogio à mediania. O diálogo requer que os interlocutores possuam afinidades e interesses comuns que vão além de simplesmente promover sua mútua segurança (Hobbes). Terry Eagleton (1993) examinou as implicações ideológicas dessa passagem característica do debate britânico, no desfecho do qual a espada do Leviatã cede lugar aos consensos ?espontâneos? que asseguram e legitimam a moderna sociedade burguesa. Nessa direção, F. Hutcheson (1694-1747) estende os prós da mediania para além do social; no âmbito psicológico-cognitivo, conclui, a mente que se mantém em um estado intermediário contorna todo tipo de uneasiness. A mediania traz benefícios não só para o indivíduo, como para o conjunto do corpo social. Foi tendo isso em vista que Hutcheson concebeu nossa felicidade como resultado do cálculo entre bens e malefícios, cujo êxito requer a administração das expectativas e da satisfação individual que leve em conta o bem comum. Conversação, mediania, acumulação e bem comum: esses ideias não seriam expressões da modernidade em formação, especialmente no Reino Unido do século XVIII? A investigação que se quer empreender aqui de aspectos das filosofias que vão de Shaftesbury (1671-1713) a A. Smith (1723-1790), passando por Hume, Hutcheson e Kames (1696-1782) levanta pistas nesta direção. No século XVIII, porém, o ?espírito capitalista? - cuja gênese foi Max Weber identificou no movimento da Reforma ? parece ter se emancipado de seu nexo original com a ideia de salvação, a ponto de o encontrarmos ligado ao humor e à crítica, tal como incorporados no ideal setecentista do gentleman. Pretende-se examinar de que modo essas mudanças são incorporadas no plano da forma ? seja da forma do discurso filosófico, que combina ensaísmo e empirismo, seja na forma do romance, que busca o realismo e a observação psicológica, seja na forma da reflexão prática, que associa a autonomia à vida social..
Ética, poética e política na formação do indivíduo moderno
Partindo de duas reconstruções significativas do Esclarecimento, uma proposta por R. Koselleck (1999), outra por Habermas (1984), o presente projeto pretende investigar a gênese da noção de indivíduo moderno. Enquanto Koselleck descreve o Esclarecimento como dialética iniciada com a consolidação do absolutismo, em meados do século XVII, Habermas o caracteriza como racionalização do exercício do poder: ?veritas, non autorictas, facit legem?. Embora divirjam sobre o significado da dialética do Esclarecimento, ambos convergem em tomá-lo como processo (transcorrido no século XVIII) de moralização da política. Sem desconsiderar os méritos de suas interpretações, pretende-se aqui investigar se, ao contrário, o Esclarecimento e a moralização da política que ele de fato implica não encontra sua condição prévia em um debate antecedente, transcorrido no curso do século XVII, nas objeções levantadas contra a moral clássica (Descartes, Corneille) pelo pós-cartesianismo (Pascal dentre outros). Examina-se se, afinal, não foi o nivelamento dos indivíduos sob uma mesma condição (a da miséria, segundo os intelectuais ligados a Port-Royal) o que permitiu o surgimento de modalidades de reflexão sobre a condição moderna do homem, por oposição à noção clássica, modalidades que, no curso do século XVIII, infletiram em utopia política, teleologia e doutrina dos direitos do homem. Visto que a derrocada da moral clássica é contemporânea, na França, da consolidação do absolutismo, pode bem ser que a crítica moral da política efetuada pelo Esclarecimento no curso do século XVIII tenha sido preparada por concepções morais cujo aparecimento se articula com a forma de organização do poder político. Daí por que seja relevante ensaiar a genealogia da moral universalista do século XVIII e do princípio de autonomia, que corresponde a uma de suas formulações canônicas.
Vinícius Berlendis de Figueiredo
Professor do Departamento de Filosofia da UFPR
Possui graduação (1988), mestrado (1993), doutorado (1999) e pós-doutorado (2013) em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Integrou o programa de formação de quadros (1988-1990) e foi pesquisador (1990-1993) do CEBRAP. Desde 1993 é professor da Universidade Federal do Paraná. Foi editor da revista "Dois Pontos" (2004-2008), secretário geral da Sociedade Kant Brasileira (2004-2007), presidente da ANPOF (2011-2012), coordenador adjunto e coordenador titular da área de Filosofia na Capes (2014-2018). Foi professor visitante na Universidade de paris X-Nanterre (2018/19) e na PUC/RJ (2019). É autor de três livros autorais e de aproximadamente 30 artigos em revistas especializadas nas áreas de Filosofia Moderna (com destaque para Kant), Estética e Ética e Política. É membro do corpo permanente dos cursos de pós-graduação em filosofia da UFPR e da UFABC.
Publicações de Destaque
A Paixão da Igualdade: Uma Genealogia do Indivíduo Moral na França
1ª Ed. Relicário: 25 agosto 2021.
“Este livro tem como cenário os séculos XVII e XVIII. O autor se interroga sobre o processo de formação do indivíduo moderno a partir de dois conceitos: liberdade e igualdade. À primeira vista, pode parecer que ele visita tempos e lugares que há muito nos fascinam. Mas isso é apenas parcialmente verdadeiro. De fato, estão presentes nos diversos capítulos pensadores de diversas nacionalidades, teatrólogos, pintores, eclesiásticos e personagens da política. Mas esse enredo tradicional desaparece quando Vinicius mergulha nas veredas filosóficas, literárias e artísticas que presidiram a criação da modernidade.”
Newton Bignotto.